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14/09/2010

1840: Compositor Robert Schumann desposa Clara Wieck

. publicado originalmente em 12.09.2010

. . fonte : Deutsche Welle

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No dia 12 de setembro de 1840, o compositor se casa com Clara (1819-1896), apesar da resistência do pai dela, o pianista Friedrich Wieck. Um capítulo marcante para um dos casais menos convencionais da história da música.

Robert Alexander Schumann (1810-1856) nasceu em Zwickau, Saxônia. Na qualidade de editor e escritor, seu pai lhe proporcionou contato com a fina flor da literatura da época, de Lord Byron e Jean Paul a toda uma legião de poetas. Robert começara a estudar piano relativamente tarde, aos oito anos, sem demonstrar talento pronunciado. Em 1826, após a morte do pai, foi enviado a Leipzig para cursar Direito.

Uma carta à mãe, em 1829, marca a guinada surpreendente na trajetória do jovem intelectual: “Cheguei à conclusão de que, com trabalho, paciência e um bom professor, seria capaz de ultrapassar qualquer pianista num prazo de seis anos. Além disso, tenho imaginação e talvez habilidade para um trabalho de criação individual”. No ano seguinte, anotaria em seu diário: “Sou excelente em música e poesia, mas não um gênio musical. Meus talentos de músico e de poeta estão no mesmo nível”.

O “bom professor” era ninguém menos do que Friedrich Wieck, que se tornaria seu sogro e pior inimigo. Sob a promessa (não cumprida) de deixar de fumar charutos e, sobretudo, de beber tanto, Schumann se mudou em outubro de 1830 para a casa do mestre. De início, a segunda filha dele, Clara, pianista-prodígio de 11 anos de idade, não interessa ao jovem músico em especial.

Simbiose e destrutividade

Nos anos seguintes desenvolve-se um tumultuado romance entre Schumann e a jovem, marcado por encontros secretos e escapadas. Wieck fica horrorizado com a perspectiva de ter como genro o jovem – que agora taxa de beberrão e perdido – e se opõe com toda a autoridade paterna à ligação. Somente após uma longa batalha judicial Robert desposa Clara, em 12 de setembro de 1840.

O casal Schumann é possivelmente um dos mais anticonvencionais da história da música: uma mistura de simbiose, apoio incondicional e perniciosidade. Profissionalmente, Clara representou um papel complementar, quase compensatório na vida de Robert: à medida que ele era forçado a renunciar ao piano, ela ascendia como concertista. Uma carreira entrecortada, é certo, por frequentes gestações (o casal teve oito filhos).

Alguns estudiosos chegam a classificar as notórias escapadas homossexuais do compositor durante os anos de casamento como um bem-vindo alívio para Clara. Cinismo à parte, a morte do marido foi uma libertação para ela, que pôde finalmente realizar seu brilhante destino de pianista, Clara Schumann sobreviveu ao marido ainda 40 anos, e continuou tocando em público até março de 1891. Ela faleceu em 20 de maio de 1896 em consequência de um derrame, aos 77 anos de idade, em Frankfurt.

Augusto Valente

31/07/2010

Robert Schumann: notas para se “deixar em paz”

. publicado em 29.07.2010

. . fonte : Deutsche Welle

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Há 150 anos o compositor natural da Saxônia falecia num asilo para doentes mentais. Oscilando entre a poesia e a música, ele ocupa um lugar único na história da música.

“O mais rápido possível.” “Mais rápido.” “Mais rápido ainda.” Que tipo de louco proporia a sério um paradoxo tão absurdo? Pois estas instruções acompanham de fato um movimento da Sonata para piano em sol menor op. 22, de Robert Schumann.

No caso, a designação “louco” tem um sentido tristemente literal, pois este exponente do Romantismo morreu confinado num manicômio, a 29 de julho de 1856, em Endenich, nas proximidades de Bonn.

Por si só, tal fim inglório já bastaria para tornar Schumann um esqueleto no armário da história da música. Esta, quando não descamba para o voyeurismo declarado, se esmera em fornecer imagens de gênios e semideuses; se não plenamente exitosos, pelo menos glamourosamente desajustados. Vide: o persistente mito da “criança divina” Mozart.

Schumann não é Beethoven

Porém Schumann é uma figura problemática não apenas por razões biográficas. O modesto cantinho que a posteridade lhe reservou – onde ele se encontra provavelmente assoviando uma melodia infinita e solitária, como em seus últimos anos de vida – é o dos que foram excelentes, sem chegar a ser “grandes” ou “gênios”. Como quer que se definam estes termos.

Schumann escreveu lieder e música de câmara: mas não é o sublime Schubert. Ele compôs quatro sinfonias, concertos e centenas de peças pianísticas: mas não foi um mestre das grandes formas como o “titã” Beethoven. Contudo a (grande) lição de Schumann é justamente esta: perde tempo quem procura julgá-lo por critérios estranhos a seu próprio universo criativo.

Um paladino da música schumanniana foi o filósofo francês Roland Barthes. Assim ele sintetizou esse caráter não-grandiloqüente, anti-retórico, antititânico: “A música pianística de Schumann, que é difícil, não suscita a imagem do virtuosismo; não podemos tocá-la nem de acordo com o velho delírio nem com o novo estilo. Essa música é intimista (o que não significa suave), ou melhor, particular, mesmo individual, refratária à abordagem ‘profissional’, uma vez que tocar Schumann implica uma inocência técnica que poucos artistas podem alcançar”.

De forma mais concisa, o pianista András Schiff transmitiu a mesma mensagem, ao dizer: é preciso deixar as notas de Schumann “em paz”, a música fala por si.

Das leis ao piano

Robert Alexander Schumann nasceu em Zwickau, Saxônia, no dia 8 de junho de 1810. Na qualidade de editor e escritor, seu pai lhe proporcionou contato com a fina flor da literatura da época, de Lord Byron e Jean Paul a toda uma legião de poetas. Robert começara a estudar piano relativamente tarde, aos oito anos, sem demonstrar talento pronunciado. Em 1826, após a morte do pai, foi enviado a Leipzig para cursar Direito.

Uma carta à mãe, em 1829, marca a guinada surpreendente na trajetória do jovem intelectual: “Cheguei à conclusão de que, com trabalho, paciência e um bom professor, seria capaz de ultrapassar qualquer pianista, num prazo de seis anos. Além disso, tenho imaginação e talvez habilidade para um trabalho de criação individual”. No ano seguinte, anotaria em seu diário: “Sou excelente em música e poesia, mas não um gênio musical. Meus talentos de músico e de poeta estão no mesmo nível”.

O “bom professor” era ninguém menos do que Friedrich Wieck, que se tornaria seu sogro e pior inimigo. Sob a promessa (não cumprida) de deixar de fumar charutos e, sobretudo, beber tanto, Schumann se mudou em outubro de 1830 para a casa do mestre. De início sua filha, Clara, pianista-prodígio de apenas 11 anos de idade, não interessava em especial o jovem músico.

A história do dedo

bon mot provavelmente não é original, mas a verdade é que o dedo anular representa o calcanhar de Aquiles dos pianistas. Encurralado entre os tendões dos vizinhos, o quarto dedo é menos independente e mais penoso de “adestrar” do que todos os outros, quer o brutal polegar, quer o débil mínimo.

Ambicioso e não necessariamente o mais paciente dos seres humanos, Schumann resolveu literalmente pôr mãos à obra, aplicando-se o “quiroplasta”, um aparelho então na moda, com o fim de favorecer a independência do dedo recalcitrante. Combinado com uma média de sete horas de estudo por dia, o resultado foi uma grave inflamação dos tendões e paralisia total do dedo médio da mão direita.

Esta é a versão tradicional. Pesquisas mais recentes fornecem uma explicação (um pouco) menos bizarra para esta tragédia na vida do músico saxão. Como havia contraído sífilis, por volta de 1830 ele se submetera ao tratamento então em voga: mercúrio e/ou arsênico. Segundo o biógrafo Eric Sams, pode ter sido esta a causa original da inércia digital de Schumann, anterior ao emprego do quiroplasta. E, em última análise, a causa de sua morte.

Seja como for, a terapia da paralisia resultante não foi mais feliz: “banhos animais” (inserção das mãos em carcaças de animais recém-abatidos), choques elétricos e dietas experimentais provam-se inúteis. Em 1832 os sonhos de virtuose de Robert estavam definitivamente enterrados.

Clara e Robert: simbiose e destruição

Nos anos seguintes inicia-se um romance entre ele e a segunda filha de seu mestre, Clara. Wieck fica horrorizado com a perspectiva de ter como genro o jovem – que agora taxa de beberrão e perdido – e se opõe com toda a autoridade paterna à ligação. Somente após uma longa batalha judicial Robert desposa Clara, em 1840.

O casal Schumann é possivelmente um dos mais anticonvencionais da história da música: uma mistura de simbiose, apoio incondicional e perniciosidade. Profissionalmente, Clara representou um papel complementar, quase compensatório na vida de Robert: à medida que ele era forçado a renunciar ao piano, ela ascendia como concertista. Uma carreira entrecortada, é certo, por freqüentes gestações (o casal teve oito filhos).

Alguns estudiosos chegam a classificar as notórias escapadas homossexuais do compositor durante os anos de casamento como um bem-vindo alívio para Clara. Cinismo à parte, a morte do marido foi uma libertação para ela, que pôde finalmente realizar seu brilhante destino de pianista, Clara Schumann sobreviveu ao marido ainda 40 anos, falecendo aos 77 anos em Frankfurt do Meno.

Augusto Valente

13/03/2010

Heine e Schumann: vínculo musical

. artigo publicado originalmente em 12.03.2006

. . fonte : Deutsche Welle

 

Exposição reúne Heinrich Heine e Robert Schumann em Düsseldorf e celebra o Romantismo alemão.

Em comemoração aos 150 anos da morte do escritor Heinrich Heine e do compositor Robert Schumann, o Kunsthalle de Düsseldorf inaugura uma exposição neste domingo (12/03). A mostra, que poderá ser visitada até 11 de junho de 2006, tem como tema a ligação entre Heine e Schumann, o qual compôs aproximadamente 40lieder com base nos textos de Heine. Pessoalmente, os dois se encontraram apenas por alguns minutos em 1828, em Munique.

Manuscritos, livros, objetos pessoais e quadros tentam reproduzir o ambiente do século 19 na Alemanha, explicitando a contemporaneidade dos dois grandes representantes culturais da época. A exposição compõe-se de três partes: Sonhos enovo lied – Romantismo e revolução, com ênfase no período romântico alemão e nas mudanças então desencadeadas; Amor de poeta (Dichterliebe), título de um ciclo de canções de Schumann, enfoca a vida dupla, entre a música e a literatura; eNoite friaDoença e morte, abordando a sífilis que vitimou ambos, e seu sofrimento antes da morte.

Uma quarta seção está sendo preparada pelo Instituto Heinrich Heine e ilustrará a recepção da obra do poeta e suas influências, através de textos, quadros, desenhos, partituras e anotações. Trabalhos de estudantes da Academia de Artes de Düsseldorf baseados em ambas as obras deverão completar a mostra, a qual é o resultado do esforço conjunto do Instituto Heinrich Heine, do Kunsthalle de Düsseldorf, do Fundo de Pesquisas Robert Schumann e da Academia de Artes de Düsseldorf.

Heine: um escritor polêmico

Por muito tempo, Heinrich Heine ficou distante da lista de escritores alemães de prestígio, chegando até a entrar para o Index, a lista de livros proibidos pela Igreja católica. A visão revolucionária do poeta era incompatível com o governo alemão de sua época. Porém hoje seu estilo sagaz e ferino pode ser melhor compreendido.

Exilado na França, Heine descreveu suas impressões sobre o país natal. Entremeando em seus textos forte crítica político-social, ele nos fornece uma apresentação lancinante e, conseqüentemente, um duro julgamento da Alemanha.

Heine, considerado por muitos um intelectual cosmopolita, aberto a novas culturas, estava sempre atento, em seus textos, à vanglória política, que submeteu a crítica severa .

O escritor foi também uma das figuras centrais do movimento literário conhecido como “Jung Deutschland” (Alemanha Jovem), graças à consistência e congruência de suas opiniões, à originalidade de suas idéias e à estética de seus escritos. Sobretudo a prosa de Heine propõe inovações literárias relevantes.

Heine pode ser considerado o último poeta romântico alemão. Sua lírica com características populares, a ironia, o pessimismo presente na última fase de seu trabalho, a negação da burguesia e da realidade fixada no plano material estão fortemente ancorados no Romantismo.

O elokunstlied e sarcasmo

Ao conhecer a obra de Heine, Schumann encantou-se com seu humor sarcástico e amargo, percebendo nessa poesia os elementos necessários para compor magníficos exemplos de lieder românticos.

Para o músico, a poesia de Heine retratava bem o espírito da época: os sentimentos não sob a forma do excesso amoroso, mas como reflexo do desespero existencial; o amor entremeado pelo encanto do medo e da solidão.

Entretanto, duras críticas recaíram sobre o compositor, que o acusaram de negligenciar o conteúdo irônico do poeta. Contudo, o barítono Dieter Fischer-Dieskau afirma que o compositor “foi capaz de traduzir como poucos uma expressão artística similar à proposta por Heine, com suas qualidades críticas e sua intensidade”.

O famoso cantor acredita ainda que os textos selecionados por Schumann “representam bem as contradições internas do indivíduo e, portanto, as suas próprias. […] Nuances, um espírito despedaçado, alegria tornando-se melancolia, tristeza que se transforma em exuberância e sarcasmo, tonalidades da pintura do crepúsculo, imagens da morte olhando por sobre os ombros de meninas – Schumann utilizou todos estes estados de espírito e imagens encontradas na poesia de Heine para desenvolver sua forma única de compor um lied“.

Gênero nascido nos castelos, na igreja e nas ruas

kunstlied – canção artisticamente elaborada – originou-se de três fontes: a lírica trovadoresca medieval, na qual o poeta devia encontrar as palavras que melhor se encaixavam na melodia composta (daí o nome trovador, do francês trouver“achar”); os cânticos religiosos, passando do canto gregoriano ao hino protestante; e, finalmente, a canção popular (volkslied), com suas características formais próprias, tanto poéticas quanto musicais.

Após uma parcial perda de popularidade, o lied retoma fôlego no final do século 18 e começa a se transformar no kunstlied propriamente dito. O piano, antes mero acompanhamento, torna-se autônomo e parte integrante da composição musical, chegando a atuar como narrador e comentarista.

Destacam-se, aqui, as contribuições de Ludwig van Beethoven, onde a música reflete a seriedade e profundidade dos textos poéticos; e de Franz Schubert, cujo conjunto – incluídas as obras baseadas em poemas de Heine e Goethe – consta como o mais importante do gênero.

Dichterliebe: auge do trabalhoconjunto

Schumann recorreu a Heine pela primeira vez no Liederkreis op.24. Este ciclo vocal se baseia em nove poemas retirados da primeira parte do Livro das Canções (Buch der Lieder) e apresenta postlúdios extensos de piano, uma característica marcante do compositor.

Em Die feindlichen Brüder (Os irmãos inimigos), Schumann utilizou quatro dos 20 contos de Heine em forma de balada. Estes são marcados por suas tiradas sarcásticas sobre as lendas, como no conhecido conto da Loreley. Entretanto, na composição de Schumann, a balada aparece de uma forma simples e direta, sem o sarcasmo sutil de Heine.

Seguiram-se outras composições sobre textos do escritor, como BelsazarDie beiden Grenadiere (Os dois granadeiros), culminando em Dichterliebe op. 48. Para este, Schumann selecionou 16 poemas da seção Lyrisches Intermezzo e reordenou-os, obtendo resultados comoventes.

Os lieder do ciclo se interrelacionam, formando um conjunto orgânico. Os substanciais postlúdios pianísticos podem ser quase considerados canções à parte. Passando do otimismo sonhador ao desespero e à melancolia, a composição evoca um vasto espectro de emoções. Dichterliebe constitui um apogeu da obra schumanniana e um marco do período romântico.

Düsseldorf: berço de Heine, fim da linha para Schumann

Apesar desses resultados brilhantes, a frutífera conexão terminou bruscamente. Ao saber que Heine havia insultado o seu amigo Mendelssohn, Schumann cessou qualquer tipo de contato com o escritor ou sua obra.

Encerrou-se assim um produtivo capítulo da história da música alemã, agora revivido na exposição de Düsseldorf, cidade renana onde Heine nasceu e Schumann viveu seus últimos anos.

Flávia Magalhães

07/03/2010

Carta do compositor alemão Robert Schumann é descoberta em arquivo

. artigo publicado em 04.03.2010

. . fonte : Deutche Welle

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Aos 18 anos, o estudante de Direito e futuro compositor escreveu uma carta ao seu tutor, pedindo ajuda financeira para se manter em Leipzig. Documento descoberto no arquivo de Zwickau revela detalhe de sua juventude.

O bibliotecário Jürgen Schünzen encontrou na noite desta terça-feira (02/03) uma carta até agora desconhecida do compositor romântico Robert Schumann (1810-1856). A carta, datada de 15 de junho de 1828, foi descoberta no arquivo da cidade alemã de Zwickau, durante os preparativos para a mostra Schumanniana, a ser inaugurada neste sábado (06/03).

Segundo Schünzen, o documento foi encontrado em uma ata “pouco pesquisada” do arquivo. “Dificilmente alguém no último século a teve em mãos”, contou.

Na época em que redigiu a carta, Schumann acabara de completar 18 anos e começara a estudar Direito em Leipzig, cidade no leste da Alemanha. Segundo Schünzen, não foi fácil decifrar a carta em que o jovem pede ajuda financeira ao seu tutor, o empresário Johann Gottlob Rudel.

Antes de morrer, em 1826, o pai do compositor, August Schumann, havia se disposto a financiar os estudos do filho, contou Schünzen. Para isso, o jovem estudante tinha que se dirigir ao seu tutor.

A carta explica que apenas o aluguel lhe custava por ano entre 50 e 60 táleres, antiga moeda alemã. O jovem escreve que 25 táleres por mês eram suficientes para sua subsistência e pergunta como o dinheiro poderia chegar às suas mãos.

Schumann foi um dos músicos mais aclamados da primeira metade do século 19. Suas composições para piano e seus lieder estão entre as principais obras do romantismo. O compositor nasceu há 200 anos em Zwickau, cidade na qual a carta foi descoberta.

DD/ap/dpa
Revisão: Simone Lopes

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04/03/2010

Com Chopin, em busca da voz do piano que canta

. artigo publicado em 27.02.2010

. . fonte : jornal O Estado de São Paulo

. . . escrito pelo pianista Nelson Freire

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No bicentenário do compositor, suas obras permanecem como emblemas da expressividade do instrumento

27 de fevereiro de 2010 | 0h 00
Nelson Freire – O Estadao de S.Paulo

Como definir o que faz da música de Frederic Chopin (1810- 1849), celebrada este ano por conta de seu bicentenário de nascimento, um universo tão especial? O grande pianista Arthur Rubinstein disse certa vez que, ao interpretar suas obras, tinha a sensação de que ela tocava diretamente o coração das pessoas. E é fascinante perceber que isso vale tanto para leigos quanto para melômanos. E, por que não, para os próprios pianistas, para quem suas peças são um desafio constante. A brasileira Guiomar Novaes costumava dizer, divertida, que Chopin exige tudo do intérprete, “que precisa tocá-lo com cabeça, coração, com o pé, com a mão, com tudo”. Já Martha Argerich me confessou, em uma de nossas muitas conversas sobre sua música, que acha Chopin o autor mais difícil de tocar. “Os pianistas erram nele mais do que com a obra de qualquer outro compositor.”

Desde criança mantenho relação estreita com essa música. Mas eu me lembro, aos 14 anos, do impacto provocado pela leitura da Guiomar para o Concerto nº 2 para Piano e Orquestra. Foi paixão à primeira audição. Bastava ouvir os dois primeiros compassos do segundo movimento para perceber como essa música era incrível – e como a sua leitura a reinventava, forçando a própria orquestra, comandada por Otto Klemperer, a uma leitura diferente do que estávamos acostumados. Comecei a colecionar gravações ao vivo desse concerto com Guiomar. E, desde então, ele tem um lugar especial na minha vida e na minha carreira. Gosto muito do primeiro concerto também, do qual a Martha fez uma excelente gravação com o maestro Claudio Abbado, mas o segundo, que foi o primeiro a ser escrito, ainda hoje me parece mais misterioso, tocante, com a emoção à flor da pele.

Mistério, expressividade, emoção e até um pouco de exotismo – tudo isso ajuda a explicar a genialidade de Chopin, ainda que não dê conta por completo da tarefa. E não podemos esquecer das pequenas revoluções de sua escrita. O último movimento da Sonata da Marcha Fúnebre é fascinante, maluco até, imagino o escândalo que deve ter sido para a época. E isso já vem desde as primeiras obras. Schumann ficou doido com as Variações Op. 2 sobre um tema de Don Giovanni. Sua música está repleta de harmonias e invenções que só vamos encontrar bem mais tarde, em Maurice Ravel, por exemplo, como no caso dos acordes dissonantes no fim do Scherzo nº 1. Não gosto de comparações. Mas há uma passagem no primeiro do Liszt, segundo movimento, parecida com o recitativo do segundo movimento do Concerto nº 2 de Chopin – no entanto, fica a sensação de que Chopin vai mais fundo em busca da expressividade, com resultados impressionantes.

Isso sem falar nos Noturnos. Ao longo da gravação, em dezembro, dos vinte noturnos de Chopin para a Decca voltei a me encantar com a riqueza de mundos que essas peças sugerem. Drama, poesia, sedução, cada um dos noturnos oferece um universo. E o interessante é justamente essa possibilidade de transitar de um mundo ao outro. E enfrentar o desafio de fazer o piano cantar. Outro dia vi uma entrevista de Vladimir Horowitz para a televisão italiana na qual ele dizia que o mais difícil no piano é fazê-lo cantar. Chopin entendeu isso. E o canto em sua música é fundamental, você enxerga os ecos das óperas do bel canto, de Donizetti e Bellini.

O trabalho com a música de Chopin dura a vida inteira, uma eterna descoberta. É um prazer incrível estudá-lo, é tudo tão bem escrito, o legato, o cantabile. E de certa forma ele exige do intérprete uma especialização. É preciso se entregar a ele. Aí sim o resultado fica digno de sua criação. Acho fascinante, por exemplo, o equilíbrio necessário entre liberdade e disciplina. Gosto da definição de Liszt: para ele, o rubato em Chopin era como uma árvore – as folhas sacodem ao favor do vento, mas o tronco está ali, constante. Às vezes me perguntam em entrevistas se eu gostaria de tocar outro instrumento. E eu me pego pensando que não – pois sem o piano, eu não teria a música de Chopin.

Nelson Freire é pianista. Em 10 de março, lança álbum dedicado aos Noturnos (Decca) e no dia 13, abre na Sala São Paulo a temporada comemorativa da Sociedade Chopin do Brasil, interpretando o Concerto nº 2

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23/02/2010

Biografia e música unem e separam contemporâneos Chopin e Schumann

. artigo publicado em 22.02.2010

. . fonte : Deutsche Welle

 

chopin e schumann

chopin e schumann

Ambos os compositores românticos nasceram em 1810. Duas vidas conturbadas, mortes prematuras, a paixão pelo piano. O alemão admirava o polonês incondicionalmente, sem retribuição. Na música de ambos, ecos da liberdade.

“Tirem o chapéu, senhores: este é um gênio!” Este elogio derramado, publicado em 1831 no jornal musical de Leipzig Allgemeine Musikalische Zeitung, referia-se a um compositor praticamente desconhecido. Ele acabara de apresentar na sala de concertos Gewandhaus seu opus 2, as Variações para piano e orquestra sobre ‘La ci darem la mano’, uma ária do Don Giovanni de Mozart.

O astro da noite, chamado Frédéric Chopin, era filho de uma polonesa com um imigrante francês. Seu local do nascimento foi Zelazowa Wola, próxima de Varsóvia, porém a data é incerta: ou 22 de fevereiro – como se acreditava até há pouco – ou 1º de março de 1810 – mencionada repetidamente por Chopin, nas cartas à mãe. Logo após seu nascimento, a família mudou-se para a capital polonesa, onde o talento musical precoce de Frédéric pôde se desenvolver.

A estreia de Chopin na Alemanha esteve ligada ao primeiro sucesso de um publicista apenas alguns meses mais novo do que ele: Robert Schumann, nascido em 8 de junho de 1810 na cidade de Zwickau, na Saxônia. Ele também aspirava a uma carreira como pianista e compositor e, paralelamente escrevia resenhas musicais.

Crítica musical humanista

Através da mencionada crítica, o colega polonês tornou-se imediatamente conhecido em todo o país. Uma vez que, durante anos, Schumann oscilara entre a literatura e a música, ele dava forma poética a suas resenhas, do mesmo modo que a parte de suas composições.

Uma fonte de inspiração central era o autor Jean Paul. Da mesma forma que este se apresentava através das personagens Walt e Vult, Schumann dividia sua personalidade entre o combativo Florestan e o suave Eusebius.

Em 1834, o músico alemão assumiu a direção redacional da revista Neue Zeitschrift für Musik. Na apreciação sobre os dois concertos para piano e orquestra de Chopin, publicada dois anos mais tarde, Schumann pôs à prova todas as suas qualidades como publicista musical: julgamento musical seguro, linguagem exuberante, engajamento por uma sociedade humanista, aberta, que atravessasse fronteiras.

Ao atribuir ao colega polonês “uma qualidade nacional forte, original”, ele se pronuncia a favor do vizinho povo polonês, dividido entre a Rússia, a Prússia e a Áustria, e duramente massacrado, sobretudo após o fracasso do levante de 1830-31 contra a ocupação czarista. Ao mesmo tempo prestava reverência a Paris, cidade para a qual Chopin emigrara, e à bem-sucedida revolução lá ocorrida em julho de 1830.

Unidos e separados

É patente que Frédéric Chopin não retribuía plenamente o entusiasmo que Schumann lhe dedicava. Ele sorriu dos elogios exacerbados da primeira crítica, e a música do colega não lhe interessava.

No entanto, houve encontros amigáveis. Chopin visitou Leipzig pela primeira vez em 1835, quando apresentou sua Primeira balada, em sol menor a Schumann, e mais tarde a dedicou a ele.

O compositor alemão respondeu com o ciclo pianísticoKreisleriana, que igualmente traz características de balada. Enquanto Chopin se deixara inspirar pelo poeta nacional polonês Adam Mickiewicz, Schumann se apoiou no maestro Kreisler, personagem do romance fantástico Gato Murr, de E.T.A. Hoffmann.

Chopin e Schumann: há tanto para unir quanto para separar esses dois expoentes da música do Romantismo. O primeiro escreveu quase exclusivamente para o piano, o segundo também explorou outros gêneros. Com seus ritmos de dança e seu bel canto pianístico, Chopin alcançou maior popularidade.

Porém o mais cerebral Schumann é responsável por pelo menos dois hits que competem com a famosa marcha fúnebre da Sonata em si menor chopiniana: a peçaTräumerei (também conhecida como Rêverie – sonho, divagação) das Cenas infantis, e o primeiro movimento da Terceira sinfonia, ‘Renana’.

Morte e liberdade

Objetos de filmes e livros, ambas as vidas foram obscurecidas pela tragédia. Chopin teve que se separar de sua companheira George Sand, mais velha e dominante, e em 17 de outubro de 1849 – aos apenas 39 anos de idade – faleceu em Paris de tuberculose, que o consumira durante anos.

O depressivo Robert Schumann foi enviado, com 44 anos incompletos, para o asilo para doentes mentais de Endenich, nas cercanias de Bonn, de onde só a morte o libertaria, em 29 de junho de 1856.

Para certos ouvintes mais alertas, a música dos dois clama por liberdade. O filósofo Theodor W. Adorno escreveu assim sobre Chopin: “É preciso ter os ouvidos tapados para não compreender que a Fantasia em fá menor chopiniana é uma espécie de música de triunfo trágico-decorativa, dizendo que a Polônia não estava perdida”.

O mesmo teórico musical afirmaria sobre a obra do contemporâneo alemão: “Nas citações da Marselhesa de Schumann ecoa, enfraquecido, o alvoroço da revolução burguesa, como em sonhos”.

Autor: Giselher Schmidt / Augusto Valente
Revisão: Alexandre Schossler

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